História da Minha Família

…ou porque tenho um nome tão diferente

Um colega me pediu para contar a história da imigração da minha família para o Brasil no trabalho escolar de seu filho de 8 anos. Isso era algo que fazia tempo já queria publicar aqui.

Quem da sua família imigrou, isto é, veio para São Paulo ?

Minha familia inteira imigrou. Meu pai, minha mãe, minha irmã e eu.

De que país veio ?

De Israel, onde nascemos eu e minha irmã. Antes, meus pais migraram da Bulgaria para Israel muito pequenos também e se conheceram e casaram já mais adultos em Israel.

Por que veio para o Brasil ?

História curta: porque meu pai sentiu saudade do Brasil.

História comprida: porque o irmão mais velho do meu pai (também nascido na Bulgária) não se adaptou a Israel e veio tentar a vida no Brasil mais ou menos no fim dos anos 50, seguindo os passos de uns primos que já estavam aqui. Se deu muito bem financeiramente, e também casou com uma portuguesa da Ilha da Madeira, minha tia Ângela. Nessas alturas, meu pai, Zari, terminava o exército em Israel, tinha uns 19 anos e a vida inteira pela frente. Provavelmente só pensava em picar a mula para qualquer parte do mundo (que nos anos 60 começava a ficar ao alcance das mãos). O Brasil foi o destino escolhido porque seu irmão Jak estava aqui e estava bem, mas não havia nenhuma atração por florestas ou frutas exóticas. Segundo meu pai, ele nem sabia direito o que era o Brasil (naquela época informação em geral não era tão acessível) mas meu pai só queria escapulir, dar o próximo passo em direção ao mundo, seja para onde for.

Mas, nessa ocasião, meu pai veio para o Brasil com 19 anos, solteiro, de navio, via Nápoles. Comeu pizza pela primeira vez na vida, na Italia, durante uma escala, sem nem saber como aquilo se chamava e achou a coisa mais deliciosa do mundo.

Passou 10 anos no Brasil e mudou sua visão de mundo. Transmutação total. Um de seus melhores amigos de noitadas e saidas era Gregório, irmão de minha tia Ângela.

Meu pai mexia com eletrônica e sonhava trabalhar na Olivetti como algum tipo de técnico. Mas o golpe militar de 1964 obrigou-o a mudar de profissão e meu tio ajudou-o a entrar no ramo da confecção de roupas — algo pelo que na época meu pai tinha completa repulsa. Mas ele foi aprender a costurar, sim.

Em 1971 ou 72 voltou “definitivamente” para Israel, conheceu minha mãe através de parentes da comunidade búlgara em Israel — idosos que não tem o que fazer, jogam cartas semanalmente e inventam matchmaking para os sobrinhos recém chegados do Brasil.

Minha mãe era secretária na gravadora CBS. Mente alerta, lingua afiada, coração mole. Era necessário conhecer especificamente a ela para entender porque o israelense nativo (apesar de ter nascido na Bulgaria, veio com 2 anos para Israel) é chamado de Sabra (conhecido como figo-da-índia no Brasil) — a fruta que é dura e espinhosa por fora, mas que se revela suave, doce e delicada depois de se remover a proteção da pele.

Não sei como, quatro meses depois meus pais se casaram, fundaram uma pequena fábrica de vestidos e foram tempos difíceis. Nascemos eu em 1973 e minha irmã em 1975. Vivíamos em Holon, cidade da grande Tel-Aviv.

Finalmente meu pai sentiu saudade do Brasil, dos amigos que aqui fez. Por volta de 1977 ou 78, meus pais decidiram migrar e enfretaram todo tipo de problemas desde papeladas burocráticas até manipulação familiar de todos os lados. Demorou creio que mais de um ano até sair a aprovação do governo brasileiro e finalmente podermos sair de Israel.

Quantos anos tinha na ocasião ?

Eu tinha 4, minha irmã 2 anos.

Que meio de transporte utilizou? Quanto tempo durou a viagem ?

Viemos de avião comercial, por uma longa viagem (eu era criança e perdi noção do tempo), pois meus pais decidiram aproveitar e fazer turismo pela Europa.

Paramos na Bulgaria porque meu pai precisava pegar uma herança em Levs — moeda da época — e curiosamente precisávamos gastá-la toda ali também, pois o país — soviético na época — não permitiria trocar por dólares nem sair com aquele dinheiro todo do país (provavelmente sem valor internacional nenhum). Então, se não me engano, ficamos na Bulgaria sem data para sair, em hotéis de “luxo padronizado” do governo socialista, que serviam um café horrível, segundo lembravam meus pais.

Meu pai conta que tentou comprar a melhor máquina fotográfica russa que encontrou e assim por diante. Além disso, acho que demos dinheiro para uma parente necessitada e tal. Simplesmente não tinhamos o que fazer com aquele dinheiro todo num país comunista.

Fomos também para Viena, Grécia e mais alguns lugares.

Quando chegou aqui? Com quem foi morar ?

Fomos morar provisoriamente com o meu tio Jak e sua família que moravam no edifício Prelude na rua Prates no Bom Retiro, bairro industrial de São Paulo.

Depois meus pais criaram uma confecção infantil chamada Tali Modas, na Rua Newton Prado №51, no Bom Retiro também e passamos a morar nos fundos dessa fábrica.

Era um sobrado verde e amarelo com uma agência do Itaú ao lado e uma sinagoga com escadaria grande em frente. O sobrado não exite mais ou foi completamente tampado por um muro de uma fábrica. A agência e a sinagoga tenho curiosidade para saber como estão.

No sobrado, o quarto dos meus pais era também a sala de visitas e a escadaria externa era onde minha irmã e eu amarrávamos retalhos de tecidos para fazer algo que lembrava uma cadeira de balanço. Fábrica e moradia eram no andar de cima. E no andar de baixo viviam uma senhora idosa e sua filha loira tingida de uns 40 anos que gritava “já vai!” quando o telefone tocava. Anos depois esse andar de baixo virou a Júpiter Malhas, uma malharia infantil que meus pais e meus tios Jak e Ângela criaram em sociedade como segundo negócio. Foi muito bem sucedido mas tiveram que fechar pois meu primo Rami morreu com 19 anos, vítima de leucemia, e meus tios não tiveram condições emocionais de tocar tantas iniciativas.

Tempos depois, nos mudamos para um apartamento em Perdizes onde eu dividia um dos quartos com minha irmã. No começo da adolescência reinvidiquei muito e o 3º quarto — o que era saleta de TV — passou a ser meu. Meus pais continuaram a morar nesse apartamento até hoje.

Onde foi trabalhar ?

Enquanto meus pais trabalhavam na confecção infantil que fundaram, eu e minha irmã fomos estudar numa escola judaica do bairro chamada Talmud Thorá, que também ficava no bairro.

Na 5ª série me mudei para o colégio Renascença, que ficava na rua Prates, por indicação de uma amiga de minha mãe, a Chava. Isso aconteceu no meio do ano letivo, logo após passarmos as férias de junho em Israel. Não fez muito bem para o meu desempenho escolar e hoje sei que isso não era muito importante. A mudança social e de ambiente escolar é que precisava de mais atenção. Mas as palmadas que eu levava da minha mãe eram pelas notas vermelhas mesmo.

No início da vida no Brasil, enfrentou dificuldades? Quais ?

Minha mãe não sabia falar português. Ela provavelmente passou por dificuldades sociais pois não tinha parentes aqui, não conhecia ninguém etc. Mas aos poucos, provavelmente, a vida no Brasil se revelou financeiramente mais fácil para ela, apesar de sempre haver a saudade da família em Israel, mesmo com o mundo diminuindo de tamanho a cada dia e o telefone encurtando as distâncias.

Está satisfeito com a mudança? Por quê ?

Não sei dizer, porque como vim com 4 anos, para mim não representou uma mudança. Mas posso dizer que vivo feliz no Brasil !

Ainda mantém contato com a terra natal ?

Sim, temos muitos parentes em Israel. Lembro que voltávamos para visitar Israel a cada 3 anos, mais ou menos. Meu pai com menor, minha mãe com maior freqüência.

A família ainda conserva algum costume desse país? Qual ?

Sim. Mesmo vindo pequenos, eu e minha irmã ainda falamos hebraico, conhecemos canções etc. A cultura de nossa família e terra natal, e a terra natal de nossos antepassados (Bulgária), e antepassados de nossos antepassados (Espanha) é muitíssimo presente em elementos da língua, culinária e também vestimentas. Estes eu gostaria de manter e repassar aos meus filhos. Mas outras tradições, mais ligadas a religião judaica, eu selecionaria para eliminar de nosso dia-a-dia e arquivar, virar somente e novamente a história da minha família.

12 thoughts on “História da Minha Família”

  1. Avi.
    É emocionante para mim rever essa nossa história e a história da nossa família. Você com certeza se lembra de detalhes que eu desconhecia até hoje, como por exemplo, dessa senhora que morava no andar de baixo do sobrado que vivíamos. Tenho também várias memórias desse período na Newton Prado que guardo com muito carinho. Vivíamos com muita simplicidade, mas com muito calor familiar.

    Tenho flash de situações tragicômicas que vivi na mesa do escritório onde a mamãe trabalhava e que em certo dia ela me colocou sentada em seu colo em frente a mesa e rolveu cortar meu comprido cabelo… Ela mesma o cortou em formato tigelinha e assim que acabou seu trabalho de cabeleireira, sentei-me a chorar com os braços sobre a mesa. Chorei tanto que até dormi lá mesmo, sentada.

    Nos fundos da casa era o estoque de materiais da confecção e lembro-me bem daquelas mantas que serviam de enchimento das “japonas” que ficavam todas enroladas e que brincávamos muito ali de se jogar sobre os rolos de mantas mais cheios. Era uma diversão gigante aquelas mantas, que serviam de fantasia para nossas brincadeiras de fantasmas e coisas do tipo. Lembro que essa brincadeira deformava completamente a consistência e a estrutura da manta. Você se lembra disso?? Acho que tivemos muitos puxões de orelha por causa disso.

    Que saudades…. Daquele tempo, da mamãe por perto, das correrias do papai, de nós e de tudo mais…

    Vamos continuar escrevendo essa nossa história.

    Adorei!!!
    Tali

    1. Lembro de tudo isso.

      Lembro dos rolos de espuma mas acho que não estragavam quando a gente fazia daquilo os nossos pula-pula. Era muito sintético e aguentava qualquer tranco, menos quando eu resolvia testar como aquilo reagia ao fogo. Como era de plástico, aquela espuma derretia, se encolhia toda e fedia pacas !

  2. Vim ler essa história através do link que a Tali colocou no Face, sou amiga da Tali de adolescência, e achei muito interessante, o quão difícil é ser imigrante, a solidão, a distância dos amigos e familiares, e mesmo assim, a força pra continuar. Não é a toa que a Tali é alguém tão especial. Parabéns!

  3. Avi, muuuito legal sua historia, até eu me emocionei…
    Meus pais tbm são imigrantes e tbm crescí em uma confecção, mas o que mais emociona nessa historia é que conheci voces pequenos, me lembro de quando voces estavam na adolescência e hj voces já estão casados, com filhos e orgulhosos de suas origens. bjs

  4. Avi, a história de vocês é bem bacana e tem um entrelace com a minha, cujos tatara-tataravós nasceram no Brasil. É que minha mãe abastecia a “lujinea” nos atacados e fabricantes do Bom Retiro. Se bobear, até comprou com seu pessoal.
    Seus pais e parentes israelenses falam ladino também, por curiosidade? Grande abraço.

    1. Alan, minha mãe cantarolava músicas em ladino e meus avós maternos rasgavam algo que parecia espanhol, mesmo sem nunca ter ido pra Espanha – era ladino também. A culinária da família também guarda alguns aspectos dessas raizes.

      É interessante comparar como língua e costumes duraram séculos num grupo que descolou para sempre da terra onde esses costumes nasceram (a Espanha) e hoje um fenomeno como esse parece inimaginável.

  5. muito bom sua historia em bom lembrar de nossos antepassados e seus costumes,assim mantemos vivo em a chama de um passado que nunca sera passado porque vive em nos,com seus costumes e algumas maneira de ser,esta em nossas vidas.

  6. muito bom sua historia em bom lembrar de nossos antepassados e seus costumes,assim mantemos vivo em a chama de um passado que nunca sera passado porque vive em nos,com seus costumes e algumas maneira de ser,esta em nossas vidas.

  7. Olá Avi, cai de paraquedas aqui, mas gostei muito da história da sua família, gostaria de poder ter feito perguntas para os meus avós, mas assim como vc diz sobre as palmadas que recebeu, não importa de onde viemos, somos o que somos por tudo o que passamos, e ao mesmo tempo que podemos nos relacionar com a história de um irmão, vizinho, ou mesmo alguém que tenha crescido na mesma época, ou o contrário, vir de um outro grupo, outra época, outro local, há na sua história o mesmo nó na garganta que tenho quando penso na história da minha família, de poder nos colocar “nos teus sapatos” e nos relacionar, principalmente com o olhar de uma criança.

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