No CIAB 2017 (semana passada) a Câmara Interbancária de Pagamentos e bancos coligados apresentaram uma importante realização com Blockchain.
A CIP conseguiu montar um time multi-disciplinar e multi-banco num projeto de rastreio de aceite de boletos de proposta. Simularam todos os atores do processo: banco emissor do boleto com seu cliente pessoa jurídica, banco receptor do pagamento e seu cliente pessoa física, e a CIP no meio.
Demonstraram como um mesmo repositório descentralizado de dados (o Blockchain) pode ser usado por todos os atores simultaneamente para tratar o ciclo de vida completo de boletos.
Sob a coordenação de Leandro Minniti da CIP, programadores e analistas de negócio do Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander cooperaram para realizar o projeto. Usaram o Hyperledger Fabric da Linux Foundation como implementação de Blockchain. Mas os aspectos tecnológicos são só parte desta façanha. Explico.
A sociedade tem grandes expectativas relacionadas a Blockchain. Ativistas da pós-Internet afirmam que Blockchain vai revolucionar contratos, acabar com cartórios e liquidar advogados. Mas gasta-se pouca energia com o mais importante: como chegar lá.
Essas transformações só acontecerão quando os players do atual status quo de cada indústria se reunirem e entrarem num consenso sobre como trabalhar de forma cooperativa, eficiente e com menos intermediários. O fator humano deste projeto da CIP é um dos primeiros exemplos disto no mundo. A capacidade de reunir empresas, que são de fato concorrentes, em torno de um objetivo maior em comum foi a melhor façanha deste projeto.
É irônico observar que essa jornada por redução de intermediários – um dos grandes benefícios do Blockchain – tende a ser liderada pelos próprios intermediários. Se a CIP e Febraban têm esse papel na indústria financeira, temos talvez ONS na indústria de energia, Febranor para cartórios, OAB para legislação e contratos, Federações Agrícolas estaduais para aquela indústria e assim por diante. Em outras palavras, podemos prever que Blockchain terá que entrar em tais indústrias de dentro para fora, com desejo de cooperar e árduo trabalho dos players atuais de cada uma delas, liderados por esses intermediários e reguladores. Claro, essas indústrias podem ser “uberizadas” antes disso tudo acontecer, e o “uberizador” tende a fazê-lo de forma bem centralizadora, portanto sem nenhum motivo para usar Blockchain (que promove descentralização), a não ser por puro marketing.
Uma visão romântica que posiciona Blockchain como algo de grande ruptura está infelizmente longe de acontecer, na minha opinião. Por enquanto, o que está no horizonte é Blockchain sendo adotado para eficiência operacional e troca útil de informações industriais.
Subtrair a aura de romantismo ao redor do Blockchain multiplica nossa clareza de visão. E uma forma clara de entender o Blockchain é como uma planilha ou banco de dados vivo que se auto-copia para vários computadores de donos diferentes. Técnicas criptográficas elegantes e inovadoras cuidam da segurança e integridade de tudo.
Com essa visão pragmática, achei interessantes as aplicações que Marcel Smetana, do Bradesco, apresentou no mesmo painel do CIAB: Blockchain como um banco de dados compartilhado entre as instituições financeiras para o KYM – know your machine, o identificador que cada instituição atribui a cada PC, tablet, celular de usuário que acessa seus serviços. O KYM, entre outras coisas, é usado para identificar fraudes. A idéia é que se os bancos unificarem e compartilharem suas bases de KYMs – através de um Blockchain –, podem de fato reduzir fraudes. Achei importante quando Marcel observou que tendem a usar Blockchain mais para esse tipo de objetivos do que para transações financeiras ou trocas monetárias entre instituições – exatamente onde atuam criptomoedas como Bitcoin e Ripple, aplicação mais popular do Blockchain hoje.
A TI dos últimos anos é dividida entre sistemas de registro e sistemas de engajamento. Muita atenção tem sido dada aos sistemas de engajamento, justamente porque chegam mais perto das pessoas. Mas Blockchain é uma inovação, das mais tremendas, no domínio dos sistemas de registro.