Moscow com Estilo

Este relato é parte de uma viagem à Ásia Central que começa aqui.

Péssimo Café

  • Não jantamos e acordamos com fome. Perto do hotel haviam diversos estabelecimentos que eram uma mistura de microsupermercado e padaria. Numa delas dois rapazes comiam de pé salgados e tomavam café e isso nos inspirou a ficar lá.
  • Erro crasso. Dividimos algo como um pastel frito de 25cm de comprimento recheado de repolho. Só uns 10% de sua área continha recheio, e mesmo assim era pouquíssimo e mal temperado. Tinha sido frito horas atrás, esquentaram no microondas o que garantiu textura de borracha, e a massa nem sequer era boa. Tínhamos também pedido um outro de maçã, assado, igualmente péssimo. Ao pedir o chocolate quente, perguntei se era feito com leite, e de fato era, mas só com o suficiente para poder dizer que levava leite, ou seja, umas duas gotas. O café da Tati estava igualmente aguado.
  • Aquilo foi tão péssimo e de mal gosto que nos perguntamos se faziam de propósito, ou se lhes faríamos bem em avisar que serviam coisas intragáveis. Deixamos pra lá.
  • Pegamos o eficiente metro e saímos por acaso na frente de uma loja-conceito da Nokia onde gastei meia hora enquanto a Tati estudava o guia.

Gorki Art Nouveau

  • Descemos uma alameda arborizada mas lá embaixo nos demos conta que era o sentido errado. Não perdemos a viagem porque encontramos por acaso o restaurante Кафе Пушкинъ (Cafe Pushkin), restaurante elegante que vimos no guia e fizemos reserva para o jantar.
  • Voltando pela avenida chegamos na bela casa-museu do escritor Maxim Gorki. Por fora a casa não tinha nada de mais, um jardim comum e tal. Mas dentro, do chão ao teto, tudo era arquitetado e decorado no melhor estilo Art Nouveau. Destaques: a madeira do piso tinha linhas arredondadas que se encaixavam e desenhavam formas da natureza. As portas e batentes eram grandes e bem feitos sempre com relevos de formas arredondadas e fluentes. Mas nada se igualava a lateral/corrimão da escada. Toda de pedra polida, começava em baixo com uma luminária com braços de polvo e subia em arranjos fluidos, ao longo da escada em meio-caracol, até o próximo andar. O peso e grossura da pedra cinza eram contrabalançeados pelas leves linhas naturais e se equilibravam na função de segurança de um corrimão. O belo ou o funcional? A boa arquitetura nunca vai deixar você escolher somente um. Os dois devem estar sempre juntos.

Almoço Moderninho

  • Ao leste da casa de Gorki, caminhamos por Tverskoy até a Kamergersky Per que é uma calçadão só para pedestres, moderninha, com gente bonita e restaurantes fancy. Aproveitamos para almoçar numa lanchonete meio natural que vendia baguetes, saladas e sopas em vitrines chamada Праим Стар (Prime Star) parecida com a Prêt-à-Porter de Londres. Comemos uma baguete com atum e salada e um roll de frango satay, mais bebidas e salada de frutas por 290 rub. Não queríamos comer muito pois estávamos reservando apetite para o jantar.
  • Ainda assim, fomos para outra lanchonete fancy e mandamos ver uma torta de frutas vermelhas. Ainda ficamos lá muito tempo observando as pessoas que entravam frenéticas em busca de um almoço rápido.

Шоколад (Chocolad)

  • Depois fomos para Teatralnaya, uma região com muitos teatros, inclusive o Bolshoi, e lojas de marcas famosas. Começou a chover e nos refugiamos em algumas delas, dando uma de excêntricos conhecedores de moda. Os artigos eram muito caros e de alta qualidade.
  • Em uma loja italiana de sapatos masculinos, a música ambiente era erudita e os sapatos tinham uma qualidade e mistura de materiais que eu nunca vi na vida. Os modelos não iam muito com o meu gosto, mas mesmo assim fiquei impressionado. Os preço estavam na casa dos 43000 rub ou algo em torno de R$4100 por um par de sapatos.
  • Numa cafeteria da rede Кофе Хауз (Coffee House, que estava em todo lugar) chamaram uma garçonete que arranhava o inglês um pouco melhor. Queríamos um chocolate (шоколад) quente e ela sugeriu um que era diferente do que imaginávamos. Muito grosso, muito forte, praticamente para se comer de colher. Bem bom, por 129 rub cada. O WiFi da cafeteria não era gratuito.

Metropol e Coral Russo

  • Então fomos atrás de conhecer o famoso Metropol Hotel seguindo o guia. Chegamos em uma avenida larga e movimentada e do outro lado havia o restaurante Metropol, a boutique Metropol, o night-club Metropol e outros estabelecimentos Metropol bem elegantes. Nada de hotel. Ele ficava no mesmo bloco, mas se entrava por uma travessa pequena que custamos a encontrar.
  • Era chique, decorado em estilo entre art nouveau e algo anterior, mais romântico. Ostentava riqueza e elegância. O que impressionava era seu restaurante. Um salão enorme mas aconchegante com um teto ligeiramente abobadado todo feito de vitrais com temas floridos. Algo impressionante. Nos grandes hotéis de Las Vegas pode-se encontrar réplicas deste estilo mas só ali respirava-se a autêntica vibração de uma Rússia exuberante, monárquica e pré-revolução. Não dá para imitar isso e poucos lugares do mundo ainda sustentam esse espírito além da decoração.
  • Voltamos para a rua e nos demos conta que estávamos muito próximos da Praça Vermelha, que estava nos planos só para o dia seguinte, mas fomos espiar mesmo assim caminhando por ruas apertadas.
  • Chegamos na Praça Vermelha umas 17h por um canto onde havia uma igreja cujo sino estava tocando a chamar para o horário da reza. Só nos demos conta disso quando o sino parou e a voz do padre e de um coral saíram pelos alto-falantes da rua. Estávamos do lado, resolvemos ver a reza.
  • Tinha acabado de descobrir algo novo na vida: corais religiosos russos são uma jóia da música erudita e bastante populares. Três homens e duas mulheres cobertas por véus mal eram vistos atrás de uma divisória, mas cantavam tão lindamente! Eram afinados, harmonizados e imprimiam todo seu coração e fé no cantar.
  • Enquanto isso o padre circulava a igreja balançando um incenso em pêndulo. As pessoas chegavam e saíam, geralmente fazendo o sinal da cruz e demonstrando devoção.
  • A igreja era decorada com aquelas pinturas medievais tristes e magras carregadas de ouro. A certa altura o padre entrou numa saleta separada por uma portinhola e conduziu a liturgia de lá, revezando o que se ouvia com o coral, que era o que mais me interessava, e um outro auxiliar que lia ou rezava coisas em diversos pontos fixos da igreja. Este último era um tanto veloz e procedural e, portanto, frio. Mas graças ao coral e algumas vibrações do padre, foi uma cerimonia tocante e emocionada no geral.
  • Ficamos lá um bom tempo, mais para ouvir as incursões do coral. Muitas pessoas ascendiam velas em estações dedicadas a isso e resolvi fazer o mesmo. Comprei a mais barata por 5 rub, acendi, agradeci a oportunidade de ter conhecido a jóia cantada e voltamos ao circuito turístico.

Jantar Chique

  • Já anoitecia e a Praça Vermelha ficaria para o dia seguinte. Mas precisávamos enrolar até as 20h para o jantar que havíamos marcado. E nada melhor que um shopping center para passar o tempo.
  • Uma das laterais da Praça Vermelha é o enorme Shopping Gum (Гуm) com seu edifício gigantesco e de linhas aristocráticas. Não conseguia imaginar o que um edifício daquele tamanho era nos tempos Soviéticos.
  • Dentro havia lojas das marcas mais sofisticadas da Europa e do mundo. E preços altíssimos também. Eram três corredores a perder de vista de tão compridos, ligados por pontes em seus andares superiores. Haviam também chafarizes inteligentes e decoração neo-clássica.
  • Paramos para descansar e matar o tempo em um restaurante cujas mesas ficavam sobre uma dessas pontes. Na mesa ao lado, dois rapazes de uns 13 anos treinavam suas aulas de perspectiva, desenhando as compridas linhas do edifício enquanto conversavam e riam. Aquele era um bom lugar para isso, devido à altura e visão panorâmica do shopping.
  • Fomos, debaixo de chuva, até o metrô, pegamos o trem e descemos na estação Mayakovskaya porque o guia dizia ser a mais bonita da cidade. No teto da estação, havia mosaicos cujos temas se intercalavam entre a aviação e algum esporte, sempre com detalhes soviéticos como a estrela e a Foice e o Martelo. Não saímos para a rua e pegamos outro trem para chegar no Кафе Пушкинъ (Cafe Pushkin) que reserváramos de manhã.
  • Às 20h o restaurante estava cheio, mesmo com chuva. Ainda bem que fizemos reserva, a recepcionista lembrou de nós assim que entramos e imediatamente nos levou para uma boa mesa. A iluminação era bem baixa e aconchegante. Mantinha a decoração de uma aristocracia do século XIX e junto com a iluminação dava a sensação de realmente estarmos jantando naquela época.
  • Enviaram um garçom com um inglês razoável que nos entregou o cardápio inglês-francês. Era divertido notar que as descrições dos pratos em inglês eram bastante diferentes dos mesmos em francês, então lemos os dois e interpolamos para entender melhor o que iríamos comer.
  • A Tati pediu duas entradas: cogumelos gratinados em bastante creme em uma cumbuquinha de barro, e pelmeni (um tipo de ravioli russo) recheado de salmão temperado com ervas por cima e creme de leite a parte. O primeiro estava ótimo e bem consistente e o segundo foi bom. Eu achei que as ervas dominaram de mais o sabor e fizeram o salmão sumir.
  • Eu pedi uma salada individual de folhas, tomate, pepino, aspargos e outras coisas, que por si só já era uma refeição de tão bem servida. E um peixe que não reconheci o nome acompanhado de espeto de legumes, batatinhas assadas com molho de creme, e não-lembro-mais-o-que. Veio um peixe com cabeça e tudo (que eu dispensaria) e o prato no geral estava ótimo. Era bastante comida.
  • Demos uma olhada na carta de vinhos. Reconhecemos o argentino Alta Vista, vinho barato, de razoável a simples, cujo preço no restaurante era tão alto e incompatível que apaguei da memória. Com base nisso comparamos os outros vinhos da carta e resolvemos que seus preços eram altos de mais para o alto risco de levar coisa ruim. Não pedimos vinho.
  • A conta saiu 2480 rub que pagamos com cartão. Não dava para incluir o serviço e tivemos que deixar cédulas a parte para o garçom. Foi uma ótima noitada e valeu a pena.
  • O restaurante foi elegante e caro, mas voltamos de metrô mesmo para o hotel, debaixo de uma chuva intensa. Às 23:15 estávamos na cama.

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