Sarmish e Nurata com Svtelana

Este relato é parte de uma viagem à Ásia Central que começa aqui.

Invasão de Loira

  • Acordamos às 7h, começamos com as malas e desta vez descemos cedo para o desjejum. Foi meio difícil arranjar mesa e no fim acabamos dividindo com duas israelenses. As frutas estavam realmente extasiantes.
  • Fechamos as malas, fizemos check out, encontramos com Sacha e caímos na estrada.
  • Horas dormidas depois Sacha parou numa fábrica e museu de cerâmica. Vimos o processo de artesanato da cerâmica desde a trituração do barro com moinho movido a burro até o torno mecânico.
  • Estava cheio de turistas comprando tudo. Eu também comprei um blusão de algodão crú decorado com seda por $30, depois de pechinchar pacas.
  • Mais algum tempo dormido depois, entramos no deserto, mas tinha uma aparência diferente do outro. Este parecia mais arenoso.
  • Em Navoy de repente uma loiraça entrou no carro. Svetlana seria nossa guia para Sarmish e Nurata.
  • Vimos ao longe uma usina. Perguntei se era atômica, e Sacha respondeu com um belíssimo “this in atom Uzbekistan no”. Quase todas as suas frases começavam com “this”. Um barato.

Petróglifos e Águas Cristalinas

  • Pegamos uma estrada deserto a dentro e paramos numa pequena ilha de rochas escuras na região de Sarmish. Escalamos um pouco as pedras e Svetlana mostrou os petróglifos, desenhos de camelos, caravanas, bodes cabras, homens em várias rochas. Foram feitas desde a Idade do Bronze (3000 AC) até a idade média. Pareciam ser um tipo de sinalização para as caravanas que passavam exatamente ali.
  • Em Nurata, almoçamos numa guest house que é uma espécie de restaurante sem cardápio. Trata-se de uma casa bem ajeitada com vários cômodos e jardim. Havia também uma lojinha, claro. Serviram saladas sem folhas, sopa de repolho e cenoura amarela, e plov. Melancia, amendoins e uvas secas para sobremesa.
  • Sacha gostava muito de Svetlana porque ela era de linhagem russa e bonita. Conversamos um pouco mais com ela que tinha um inglês relativamente fraco.
  • Na saída esperavam por nós umas meninas de 12 anos com roupa de escola. Quase que profissionalmente pediram que tirássemos fotos com elas e já tinham seu endereço escrito em francês em pedaços de papel decorados com florzinhas que elas mesmas desenharam.
  • A cinco minutos de lá ficavam as Fontes de Chashma onde o genro de Maomé teria batido o cajado para tirar água das pedras. De fato havia uma grande piscina com água limpíssima cheia de peixes que Svetlana contou serem venenosos e por isso ninguém os pesca.
  • Alexandre o Grande achou esse poço e construiu uma torre lá perto, que vimos somente as ruínas.
  • Despedimos de Svetlana em algum lugar na estrada e continuamos para o pouso yurt alguns kilometros dali.

Plantação de Yurts no Silêncio

  • Plantaram no meio do deserto uns 10 yurts. Cada um tem uns 4 ou 5m de diâmetro, inteiro acarpetado, com estrutura de madeira e coberto com algumas camadas de um grosso tecido rústico de lã. As camas eram futons no chão e recebem umas 5 pessoas confortavelmente. Os yurts estavam distribuídos num círculo e no centro havia preparação para uma fogueira. Ducha, casinha e refeitório ficavam alguns metros fora do círculo dos yurts em lados opostos.
  • O silêncio do deserto era a primeira coisa que chamava a atenção. Durante um chá da tarde testamos a quantos metros podia-se ouvir um sussurro. Então saímos para caminhar um pouco deserto a dentro para ouvir o som do silêncio. E se o silêncio está sempre presente no deserto, também está o vento. Parece que o capitão Rodrigo vai chegar galopando (num camelo?) a qualquer momento.

Kaljan no Tear

  • Ao voltarmos, Sacha perguntou se queríamos ir a uma vila a 10 minutos dali. Brinquei dizendo que sim se houvesse sorvete. Na única venda da vila, Sacha traduziu os dizeres da dona: “this in ice cream no”.
  • Dongelek era uma vila pequena e pobre erguida bem no meio do nada. Suas casas simples eram bem espalhadas com muita areia entre elas.
  • Sem muito o que fazer naquele fim de tarde, caminhamos ao léu bem devagar e vimos perto de uma das casas algumas pessoas em volta de um tear. Fomos chegando envergonhados e eles nos chamaram. Bateu um interesse mútuo entre nós, e Sacha tentava ser o interprete porque eles mal falavam russo também. Eram kazakhs, morenos com feições totalmente chinesas.
  • A base do tear era o chão. Fios coloridos de lã se estendiam por uns 10m. Uma moça leve e ágil sentava sobre uma parte já pronta do tecido artesanal e executava o trabalho meticuloso da criação do padrão, fio por fio. Ficamos fascinados pelo seu trabalho.
  • Trocamos perguntas sobre o que, quando, como e onde. Perguntei seu nome, esticando papel e caneta e dizendo o nosso. Escreveu em cirílico, KАЛЖАН (Kaljan). Percebendo meu interesse, ofereceu para que eu operasse o tear. Foi legal.
  • Mesmo sem uma língua comum nos comunicamos ativamente, ofereceram chá (mas não aceitamos) e queríamos ficar mais mas já anoitecia. Fomos embora impressionados com a vitalidade, hospitalidade e simplicidade daquela gente.

Fogueira e Franceses Bêbados

  • Logo depois de voltarmos ao acampamento yurt chegou o ônibus dos franceses. Os mesmos que encontramos no aeroporto ao chegar em Tashkent, no hotel em Bokhoro, e em todos os pontos que paramos no meio do caminho. Eles também já nos reconheciam e era engraçado. Mas o silêncio do deserto terminou ali. Instalaram-se em seus yurts enquanto descansávamos no nosso.
  • Umas 19h fomos ao refeitório, nos cumprimentamos e sentamos em outra mesa com o Sacha. Salada russa, de beterraba, uma de beringela com cebola que foi a melhor até agora, outra de beringela com tomate e pão. Tudo com bastante óleo e nem sinal de folhas. Depois, uma boa sopa de repolho, e carne com batatas num molho bem saboroso. Para o vegetariano aqui trouxeram 3 claras de ovos fritas em bastante óleo. Comemos felizes. Perguntei ao Sacha cadê as gemas, que disse que muitos europeus preferiam assim. Bem, não sou europeu e não sei de onde tiraram que não queria a gema. Mas o Sacha também inventa as verdades dele…
  • Sacha abriu a garrafa de vodca uzbek para experimentarmos. Tinha um aroma forte, não encontrado nas vodcas no Brasil.
  • Os franceses terminaram suas garrafas de vodca e oferecemos a nossa, totalmente cheia. Celebraram, agradeceram e brindaram ao Brasil, à França, à vodca.
  • Sentamos em volta da fogueira onde BLABLA cantava e tocava seu ditur, instrumento de 2 cordas que parecia um pequeno alaude de braço muito comprido e fino. A julgar pelos seus traços totalmente chineses-mongois, ele era um kazakh e estava acompanhado pelo seu pequeno filho de uns 2 anos de idade que roubava boa parte da cena.
  • A noite no deserto é muito fria, todos se aproximavam da fogueira e não se preocupavam porque sabiam que dentro do yurt tudo se mantém bem aquecido.
  • A cantoria terminou eufórica e com danças. Depois de acabar (umas 22h), conversamos com os franceses sobre o islã, integralismo e viagens em geral. Alguns estavam bem altos graças a vodca

Chão de Estrelas

  • Apesar da noite estar bem iluminada por uma meia lua, dentro do yurt não se via um palmo a frente e precisamos usar o display da máquina fotográfica como se fosse uma fraca vela.
  • Dormir no yurt não é propriamente prático, mas é bem roots. Os futons eram deliciosos e davam uma boa sensação de volta às origens.
  • Eu (Tati) saí do yurt no meio da noite e vi o céu mais lindo de toda a minha vida. A lua se retirara e deixara vigilante uma imensidão de estrelas, incontáveis, serenas, donas de tudo. Parecia um sonho de tanta precisão e beleza. Nem um único espaço sem brilho no breu, que ficava ainda mais negro pelo contraste. Acho que eu também contaria histórias de Sherazade sob mil e uma noites como esta.
  • No meio da madrugada as areias do deserto são tão geladas quanto as águas de um rio de neve derretida. Caminhar nessa escuridão, com essa vista e no absoluto silêncio, faz acreditar que pousamos na lua e saímos para explorá-la. Infestado de vida, o deserto é também inspirador e cheio de poesia.

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