Impressões Sobre Reunião Final da ABNT

Era uma incógnita absoluta como iria terminar a reunião de votação do OOXML. E de fato terminou de forma inédita.

Não é responsabilidade da ABNT definir tecnicamente um padrão, e sim somente estabelecer e liderar o processo para que os interessados da sociedade decidam sobre ele.

Hoje a ABNT viveu uma reunião como nenhuma outra em sua história, acredito. As opiniões estavam tão divididas e irredutíveis que Eugênio, o diretor de normatização, teve que assumir uma posição de muita responsabilidade e ele próprio decidir pelo voto baseado nos relatos gravados da reunião. Ele teve presença de espírito suficiente para perceber que a discussão poderia demorar mais 8 semanas e não chegar num consenso.

O processo funciona mais ou menos assim:

  1. A ECMA/Microsoft submeteu a especificação OOXML para se tornar uma norma ISO.
  2. A ISO instala o processo Fast Track onde as National Bodies (ABNT no caso do Brasil) de vários países analisam a qualidade da especificação para votar SIM, NÃO ou abstenção na ISO. Votos SIM e NÃO podem vir acompanhados de comentários.
  3. A ABNT criou um Grupo de Trabalho (GT2) a uns meses atrás para fazer um estudo técnico do OOXML. Participaram do estudo empresas e entidades a favor e contra o OOXML. Eu participei pela IBM.
  4. O trabalho do GT2 como um todo se consolidou em 63 comentários de melhoria à especificação, mais 2 comentários muito polêmicos que foram tratados de forma separada, mais algumas dezenas de comentários muito pertinentes que ou não houve tempo de incluí-los na mesma lista dos 63, ou concordou-se que deveriam ficar de fora. Esse trabalho terminou nesta segunda, 20 de agosto, um dia antes da reunião de hoje.
  5. O processo da ABNT dita que para eliminar um desses 63+2 comentários técnicos, deve-se apresentar uma contraposição fundamentada. Caso contrário, tal comentário é categorizado como um consenso de que é válido. Este é um ponto muito importante do processo.
  6. Há quem ache que os comentários não são relevantes, e nesse caso vota SIM ou SIM com os comentários. E há quem ache que são relevantes, e no caso vota NÃO ou NÃO com os comentários.

Fernando Gebara repassando os 63 comentários.Os 63 comentários foram lidos na parte da manhã e gastamos quase a tarde inteira para discutir calorosamente somente um dos 2 comentários polêmicos. Soa como discutir o sexo dos anjos: ninguém parece estar errado nem certo.

No fim do dia, Eugênio voltou para o desenrolar e se deparou com uma total indefinição. Analisou rapidamente a situação e colocou a reunião num trilho de raciocínio lógico. Primeiro constatou que todos concordavam com os 63 comentários e que eles não tinham contraposições fundamentadas. Depois verificou que as pessoas não queriam que a posição do Brasil fosse abstenção. Sobrou o SIM ou o NÃO.

A Microsoft e algumas empresas parceiras não aceitavam um NÃO mas ao mesmo tempo concordaram que os comentários eram pertinentes. Corinto Meffe, do Ministério do Planejamento, argumentou, e todos concordaram, que comentários anexos a um NÃO teriam mais força de transformação da especificação do que os mesmos acompanhados por um SIM. Neste último caso, não se sabe se a ECMA/Microsoft iriam acata-los, o que desvalorizaria o trabalho do GT2 e a opinião técnica do Brasil no mundo. O NÃO com comentários fazia mais sentido. Aparentemente inclusive aos olhos do Eugênio.

Era evidente o balanço de opiniões. Todas as empresas e instituições governamentais como MCT, ITI, MP, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Correios, Serpro, Celepar, etc, mais organizações como BrOffice.org, Rede Livre, ODF Alliance, mais empresas do calibre da Sun, Red Hat, 4Linux, IBM, Metrô de São Paulo, Google e outras, votariam NÃO.

O SIM era mantido pela Microsoft, UNESP, SUCESU-SP, Associação de Parceiros Microsoft, e mais uma porção de empresas regionais ou de alcance menor.

Numa votação informal deu 27 NÃOs e 24 SIMs. Mas isso não representa a sociedade, e o objetivo é chegar a um consenso, e não resultado por votação.

Eugênio assumiu uma missão para as próximas horas. Ele deve analisar o teor dos argumentos na reunião e provavelmente medir o peso das divergências. Por exemplo, talvez ele calcule que o opinião de um parceiro regional da Microsoft tem uma relevância mais focada que o de uma empresa global como o Google, ou não estaria tão sintonizado com os desejos intrínsecos da sociedade em geral como as instituições públicas.

Isso é um exemplo de critério que faz sentido para mim, mas não sei que linha ele vai tomar. E é importante não pressionar a ABNT nem o Eugênio por que é comprovadamente uma questão muito difícil.

De qualquer forma, tudo indica, mas sem nenhuma certeza, que o Brasil dará um NÃO com comentários ao OOXML.

Há especulações que outros fatores podem influenciar a decisão final. Mas na minha opinião, o processo da ABNT tem sentido e lógica, é bem formal, e foi seguido na medida do possível. Aos meu olhos somente o processo em sí, e nenhum outro fator político externo, definiram o trilho para se chegar ao voto do Brasil.

Seja qual for, vamos saber nas próximas horas, e não vamos cantar vitória antes disso.

18 thoughts on “Impressões Sobre Reunião Final da ABNT”

  1. Avi,

    Excelente o teu resumo e bom senso na ponderação sobre a posição final da ABNT. Aguardar e ver o q dá.

    O q gostaria de sugerir é uma pequena correção: foram 28 instituições NÃO e 24 SIM. O TCE-MT só se manifestou ao fim da reunião. =)

    Um abraço

  2. Interessante como se pode interpretar sinais de maneiras totalmente diferentes. Para você, parece claro que o voto será um não, enquanto tudo o que você disse neste post e no anterior me fazem crer que o voto provavelmente será uma abstenção. Obviamente não conheço o processo detalhadamente, mas é a impressão que tive. Achei interessante.

  3. Roberto, ninguém quer abstenção, e por isso aparentemente retiraram essa possibilidade.

    Como há vários comentários sem contraposições fundamentadas, a lógica leva a crer que será um NÃO. Será um tipo de consenso forçado.

  4. Do modo como entendi, a retirada da possibilidade de abstenção não era algo oficial, certo? De qualquer modo, acho apenas que sou pessimista por natureza. 🙂

  5. Avi,

    Aqui quem fala é o paulo, nos falamos aquando da sua apresentação na IBM sobre linux nas empresas (equipe da Engebras S/A, inclusive vc escreveu sobre os nossos sistemas :D).

    Tenho seguido com relativa atenção o processo da votação da OOXML, inclusive sobre a vergonha que foi a mesma votação na minha terra natal (portugal) 🙁

    Resumidamente foi votado um sim com comentários, que teem a mesma força de uma gota de água no oceano, num processo tão vergonhoso que impediram a IBM e a SUN de participarem do processo, alegando “falta de cadeiras”, verdadeiramente dantesco.

    Do meu ponto de vista, a verdadeira questão no caso de um SIM do OOXML mundial, seria a horrível comprovação de que o processo ISO pode ser comprado, já que esta especificação é tão ruim do ponto de vista técnico, que nem deveria ter sido aprovado o fasttrack.

    Não são só as extensões mas as omissões como o agora tristemente famoso ‘lineWrapLikeWord6’ entre outros, que demonstram, que se aprovado, este suposto “standard” só poderá ser implementado pela própria MS.

    Espero portanto que o Brasil vote Não, mas mais ainda, espero que o OOXML não venha a ser aprovado mundialmente, sob pena de perdermos um dos poucos bastiões até agora relativamente imunes a pressões corporativas (neste caso é uma benesse até mesmo para as próprias corporações).

    Abraço e tratemos de torcer pelo melhor 😛

  6. A solução racional deste tipo de problema, somente é possível com recurso da Análise Lógica e/ou da Teoria da Decisão Estatística. Também, parece-me que os dados são interessantes para análise e decisão promissora mediante a utilização do recurso HPT (hierarchical process technique). Assim, ter-se-ia o rigor metodológico cujo maior benefício é filtrar as influências ou aspectos subjetivos que afetam a decisão.
    Atenciosamente,
    Joaquim Xavier

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  8. Resumo esclarecedor!
    Mas fica uma dúvida: já existe uma NOrma ISO, porque mais uma?
    Abs

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  10. Eu sugiro um padrão de idioma: todas as pessoas do mundo deveriam “dar suporte” (= aprender) a 2 idiomas: o da sua nação e o Esperanto… Idéia maluca? Mas a situação atual é pior: temos o inglês como o OOXML: um “padrão” com muitas imperfeições e que só algumas pessoas (aquelas que tiveram a sorte de nascer num país de fala inglesa, principalmente) conseguem “implementar” (= falar) direito…

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